Bento de Jesus Caraça — Dos Conceitos à Acção

Tópicos para uma intervenção

Autor
João Caraça
Data

Tópicos da intervenção no Colóquio Comemorativo de Os 70 anos dos Conceitos Fundamentais da Matemática

Os «Conceitos Fundamentais da Matemática» foram concebidos como paradigma do esforço de divulgação cultural de alto nível a que a Biblioteca Cosmos se propôs. A necessidade  de  encarar  a ciência  como  um “organismo  vivo,  impregnado de  condição humana” era, sempre foi, e será, central na luta pela emancipação e pela criação de uma sociedade mais justa. Ciência e Cultura não são separáveis, desde os tempos de Galileu. A empenhada e iluminada ação de Bento de Jesus Caraça durante toda a sua vida constituiu uma demonstração viva de como a aquisição de cultura significa integralmente a conquista da liberdade. 

 Nos inquéritos à opinião pública (US, EU) do Eurobarómetro já neste século (2001/2006?) 50% dos inquiridos diziam que é o Sol que anda em volta a Terra. 

  • O conhecimento e a cultura têm a ver com as condições de difusão e assimilação (tornalos seus; recriá-los) dos saberes.
  • Se isto não acontece, valores, mesmo minoritários, reemergem, fazem com que possam aparecer conceitos fósseis, fantasmas de outros tempos, infecções de outras eras.
  • O “incumprimento  de  promessas”, a  falta  de controlo  sobre  o futuro,  torna-nos vulneráveis a qualquer coisa que nos dê esperança: com a hiper-especialização crescente e o a-historicismo reinante uma pessoa pode passar do racionalismo mais duro na  política,  na economia,  na  sua profissão,  para  o obscurantismo  e  o domínio emocional dos gurus e dos videntes. Esta separação cultural opressiva, esta cultura da separação tornada separação das culturas pela competição feroz, só pode ser combatida com uma cultura integral!
  • No começo do século passado (XX) as numerosas descobertas de novos fenómenos, raios misteriosos  (radioatividade, raios X)  a  que se  somavam  ruturas cognitivas  na pintura, filosofia, literatura, medicina, arquitetura, engenharia (com a eletricidade) e no campo social (o fim do antigo regime) — atraíram as crenças no oculto e em fantasmas e espectros. As fronteiras entre a ciência e a superstição esbateram-se um pouco e foi preciso reinstalá-las. Foi essa a função essencial da introdução da componente científica na cultura, cultura que é, foi e será sempre una, ou então não é cultura.
  • O grande filósofo Heráclito dizia, há 2.500 anos, que “os homens despertos possuem um só universo, que é comum, enquanto que os adormecidos se fecham, cada qual no seu mundo particular”. É preciso estar bem desperto: o sono da razão traz a ignorância e o medo, e com eles o aumento da violência.
  • Hoje, de novo (no começo do séc. XXI) como há 100 anos acastelam-se as nuvens no horizonte: a  complexidade  impera na  descrição  do mundo,  é  impossível separar  as sociedades do seu contexto, o ser do seu ambiente, as alterações climáticas da atividade humana. Novas doenças espreitam, bem como o risco de acidentes e de instabilidade política.  O  emprego tornou-se  efémero,  o bem-estar  passageiro,  a globalização  uma faca de dois gumes. A superstição e o autoritarismo espreitam de novo... 
  • «Em tempos de mistificação universal dizer a verdade é um ato revolucionário» dizia 

    George Orwell nos anos 1940. Em tempos de especulação, de fraudes e deceções, dizer 

    a verdade é afirmar que não há certezas absolutas, [porque há incerteza, porque o mundo  está  sempre a  mudar  e por  isso  é preciso  interrogá-lo continuamente:  a natureza, a sociedade, nós-próprios.] 

  • É esta a mensagem da cultura integral do indivíduo, que Bento de Jesus Caraça colocou como problema central do nosso tempo (de então) em 1933. Mas é correto dizer do nosso tempo!! Porque as disfunções do presente resultam do enfraquecimento de uma cultura  integral, o  domínio  da cultura  mais  parecendo hoje  uma  “macedónia” de culturas — da humanística, à artística e à científica; da política, à do mercado e à dos media; da religiosa, à do risco e à da violência.
  • O que é ser culto?
  • É preciso humanizar a sociedade: a ciência é uma componente essencial desta caminhada!
  • Isto leva-nos  à  ação desenvolvida  por  Bento de  Jesus  Caraça —  um  dos pilares fundamentais  foi  a Biblioteca  Cosmos,  a mais  completa  iniciativa para  a  cultura (incluindo a ciência evidentemente) do nosso século XX, verdadeira continuadora do espírito das universidades populares europeias!!