Quando Bento de Jesus Caraça proferiu a sua magnífica Conferência sobre “A Cultura Integral do Indivíduo – Problema Central do Nosso Tempo” viviam-se «horas inquietas e fecundas» em resultado do rescaldo dos horrores da Primeira Grande Guerra, da razia provocada pela febre pneumónica, da subida dos nacionalismos e da instabilidade das economias, do impacto da revolução russa e da organização soviética, da Grande Depressão financeira. Em Portugal, na sequência da ditadura instaurada após a primeira República tomava assento o Estado Novo. Afirma BJC que a longa história da humanidade tem consistido numa «gigantesca luta», trágica e sangrenta, entre o individual e o colectivo, em que transparece um domínio quase permanente do individual (as castas formadas por alguns indivíduos que se apoderam da direcção dos destinos de uma comunidade) sobre o colectivo, colectivo que só de longe em longe estremece, num triunfo efémero, para logo cair sob um jugo semelhante ao anterior «pela sua incapacidade de se reconhecer e dirigir». Os aspectos desta luta variam de época para época, devido à alteração das condições da vida material e imaterial nelas vigentes. Em 1933, observava BJC que «à falência completa no campo moral, vem juntar-se […]a falência total no campo económico», ou seja, os próprios alicerces da civilização criada na Europa da modernidade encontravam-se profundamente atingidos. Estava-se próximo de um momento de «estremecimento». Mas, para que não voltasse a cair depois desse momento de revolta no arbítrio de uma nova força totalitária, tornava-se imprescindível que o colectivo se reconhecesse como actor histórico e que aprendesse a dirigir-se. Este acto de reconhecimento e de empoderamento é em si um acto de afirmação de uma cultura de autonomia, de dignidade, de solidariedade, virada para o futuro e para o progresso moral e económico – uma cultura integral. Assim, BJC define o homem culto como sendo aquele que: 1º -- Tem consciência da sua posição no cosmos e, em particular, na sociedade a que pertence; 2º -- Tem consciência da sua personalidade e da dignidade que é inerente à existência como ser humano; 3º -- Faz do aperfeiçoamento do seu ser interior a preocupação máxima e fim último da vida. O que é a cultura integral? A cultura integral é, pois, o instrumento mental, racional e moral, que nos permite «saber donde vimos, onde estamos, para onde vamos». Através dela poderemos definir quais os problemas postos à nossa geração, quais as soluções adequadas que importa dar-lhes. Esta cultura integral tem de ser adquirida e usada por todos, sem excepção. É por isso o «problema central do nosso tempo» – e de todos os tempos, enquanto não formos dirigidos pelos princípios da liberdade individual, da igualdade entre todos, da fraternidade e solidariedade com os outros. É com uma sociedade de homens cultos e íntegros que se pode assegurar que todos serão livres, iguais e solidários. A cultura assume assim uma centralidade fundamental para a vida do colectivo. E como se pode formar este homem integral? BJC afirma sem rodeios que terá de ser através de uma educação integral que, na perspectiva dos anos 1930, significava principalmente educar recusando a separação entre o trabalho manual e o trabalho intelectual, bem como valorizando a circulação do conhecimento entre as artes, as letras e as ciências. Nas primeiras décadas do século XXI, o problema central é o mesmo mas com aspectos diferentes, devido às transformações havidas. A ABJC assume assim como fim lutar pela aquisição por todos de uma cultura integral, que estimule a interrogação sobre as transformações do mundo que nos rodeia, a sociedade em que vivemos e sobre nós próprios, que promova a criatividade e o espírito crítico, para que possuamos as bases essenciais para pensar e construir o futuro colectivo que ambicionamos.