Faz hoje 73 anos que faleceu Bento de Jesus Caraça, patrono e razão de ser desta Associação. Os quase três quartos de século decorridos desde então em nada diminuem a actualidade e a acuidade do seu pensamento e dos seus escritos, embora a situação que hoje se vive seja muito diferente daquela com a qual se confrontou Bento de Jesus Caraça e seus contemporâneos.
Transcrevo o que Mário Sacramento, mais novo que Caraça mas seu contemporâneo, escreveu em 1968 para um número da revista Vértice de homenagem ao mestre no vigésimo aniversário da sua morte. É um escrito com alguma amargura mas igualmente com alguma esperança. Estava-se então num Portugal cinzento e repressivo, sob a ditadura do Estado Novo, ainda a quase seis anos do 25 de Abril. Mário Sacramento já não veria chegar a liberdade. O texto foi cortado pela censura, e só dez anos mais tarde, em 1978, já em democracia, foi publicado no número da Vértice de homenagem a Caraça no trigésimo aniversário do seu falecimento:
Bento de Jesus Caraça representa , na nossa memória, uma época em que foi possível a uma elite saída do povo manter-se fiel às suas origens. Recordo-o apenas do MUD, onde a sua capacidade de ouvir, conjugar, decidir, soube manter o sentido de objectividade conjuntural, indispensável a uma política cientificamente elaborada e conduzida. A cabeleira grisalha e ondulante, a presença serena e desenfatizada, a palavra prudente e curta de quem não acredita em retorismos miríficos foram uma presença e uma lição que a poucos aproveitaram, afinal. Revê-las é remontar a um precursor do que não seremos tão cedo, marcusiados que muitos andam ou parecem…
Doi ver tanto esforço perdido, sem que um balanço encaminhador saia, sequer, das cinzas do passado! Há mortos que rangem, nas trevas, sacrifícios esquecidos. Viver a verdade propria é, em qualquer caso, um alto destino, só na aparência gorado. E disso ninguém poderá despojar Bento de Jesus Caraça. Consciencializou alienação, como quem desaterra um burgo sepultado. Apontou o caminho da cultura integral, que falsas revoluções por vezes negam. Face aos alunos, na cátedra, aos politicos, no MUD, ao povo, na UP, entrelaçou as malhas do devir. Queixemo-nos da lã que lhe demos, não do artifice que foi. Modesto, apagou-se por detrás do que semeou, bom alentejano que era. E, se grãos houve que apodreceram, algures sobreviverá um- quem sabe? que espigará quando menos se espere!
Hoje podemos afirmar sem receio de sermos desmentidos que houve muitos desses grãos que espigaram, e é dever da nossa Associação contribuir para continuarem a espigar muitos mais.
Luís Saraiva
Presidente da Direção da Associação Bento de Jesus Caraça